É um festival de imprudência. Uma moto passa a 160 quilômetros por hora. Uma caminhonete corre ainda mais: quase 170 quilômetros por hora. Esta semana, o Fantástico esteve em algumas das principais rodovias do país. O motivo é uma resolução recente do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que determinou que não são mais obrigatórias as placas que avisam aos motoristas onde estão os radares.
“O aviso das placas fazia com que motoristas que ainda não respeitavam a lei freassem naquele ponto, obedecessem à velocidade que era permitida e depois acelerasse novamente, colocando não só a sua vida, como a de outros em risco”, aponta Fabiano Moreno, chefe de Comunicação da Polícia Rodoviária Federal.
O Fantástico fez um teste. A pedido do programa, o perito em acidentes Renato Orsi usou um radar portátil no sistema Anhanguera-Bandeirantes, em São Paulo, para verificar a velocidade dos veículos. “Vários excessos. Inclusive excessos acima de 130 quilômetros por hora”, alerta.
Em um ponto da estrada, uma caminhonete passou a mais de 140 quilômetros por hora. Dois quilômetros adiante, fica o radar fixo. Há placas alertando sobre o equipamento. Assim como a grande maioria dos motoristas, o da caminhonete também tirou o pé do acelerador no trecho e passou dentro do limite de velocidade.
A equipe de reportagem foi a dois outros estados: Mato Grosso do Sul e Paraná. A BR-277 dá acesso às principais praias paranaenses. De um lado da pista, onde a polícia sempre instalou radares, a maioria dos motoristas respeita o limite de velocidade. Do outro lado da rodovia, onde até esta semana não existia fiscalização, os motoristas aceleram muito, mesmo à noite, com chuva e neblina.
“Nos pontos onde nós sempre fizemos radares, os motoristas já conhecem. Basta mudar o ponto apenas atravessando a pista contrária para ver a falta de respeito”, diz Wilson Martinez, da Polícia Rodoviária Federal do Paraná.
Em Mato Grosso do Sul, a equipe esteve na BR-163, uma das principais do estado, onde o limite é de 100 quilômetros por hora. Bem na frente dos policiais, um veículo passou a 130 quilômetros por hora. “Estava conversando. Não prestei atenção, na verdade”, explicou o motorista Marcelo Gavioli.
Já uma BMW passou a 182 quilômetros por hora. Só reduziu próximo da polícia. O motorista foi multado. “Estou errado. Vou falar o quê?”, disse.
Mas será que agora ele vai andar na linha? O Fantástico foi ver a velocidade com que a BMW sem placa passou a cerca de três quilômetros de onde foi multada. O carro passou a 121 quilômetros por hora, sendo que a velocidade máxima permitida é de 100 quilômetros por hora.
“Se ele desrespeita o limite de velocidade, a autuação é consequência de seu próprio desrespeito à norma. E não porque o órgão esteja criando uma indústria de multas”, avalia Jerry Adriane Dias, do Conselho Nacional de Trânsito.
E como será que os caminhoneiros estão se comportando? Um deles estava 20% acima da velocidade permitida. “Fazer o quê? Tenho horário para cumprir”, tenta justificar o caminhoneiro José Luiz Sabadin.
A Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso do Sul parou 12 caminhões e analisou os tacógrafos, que são os discos que registram as velocidades. “A legislação não permite que a Polícia Rodoviária faça multa pelo tacôgrafo”, diz o policial Térsio Baggio.
Mas a conclusão é preocupante: os motoristas só respeitaram o limite de velocidade nos pontos onde havia fiscalização.
“Eu solto na descida. Na subida, ele morre e não vai”, conta o caminhoneiro José Aparecido Oliveira.
Em São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contra a retirada das placas que alertam sobre a presença de radares.
“A placa nada mais é do que uma forma de educação do trânsito. Faz com que o motorista atente para a velocidade, tenha prudência, sabendo que pode ali ocasionar um acidente”, defende Maurício Januzzi, presidente da Comissão de Trânsito da OAB de São Paulo.
O perito em acidentes Renato Orsi tem a mesma opinião e teme pela segurança dos motoristas. “Se ele visualizar repentinamente esse radar e tentar fazer a redução de velocidade de maneira brusca, ele pode ocasionar uma colisão traseira”, alerta.
Os radares que ficam dentro das cidades, em ruas e avenidas, também não precisam mais ter sinalização. O Fantástico consultou algumas capitais do país. A prefeitura de São Paulo disse que as placas existentes serão mantidas e que não decidiu se vai sinalizar os novos radares. A prefeitura do Rio de Janeiro informou que vai continuar indicando com placas onde estão todos os radares.
“As placas dão mais eficiência aos equipamentos. Elas fazem com que o motorista não cometa excesso de velocidade, não avance o sinal e, portanto, isso diminuiu os acidentes”, constat Alexandre Sansão, secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro.
Em Salvador e em Porto Alegre, os novos radares não terão sinalização. No meio dessa polêmica, uma regra continua valendo: é proibido esconder os radares dos motoristas. Mas só olhando com muita atenção uma imagem feita da Rodovia Castelo Branco, em São Paulo, é possível descobrir onde tem um. E andando mais um pouco, encontram-se outros radares escondidos. Na hora das explicações, um policial atravessou a via.
A pessoa que for multada nessa situação pode recorrer. “Demonstrando, através de relatos e comprovando com fotografias, a pessoa pode conseguir a anulação da multa”, explica João Vital Filho, da Polícia Militar Rodoviária de São Paulo.
Aílton Machado é motorista de ônibus há 22 anos. Diz que nunca foi multado por excesso de velocidade. “Quanto mais fiscalização, mais radar, para nós é melhor. É mais segurança para todos”, conclui.
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